top of page

Setembro 1.2 - Rota Vicentina em Bikepacking

É verdade que não foi uma rota transcontinental, nem nacional ou sequer regional, nem tão pouco foi a rota integral, foram apenas duas etapas, mas o que aprendemos com elas valeu pela vida!

Como vimos na edição 1.1 de Setembro, planeámos fazer duas edições neste mês para colmatar a falta de Julho devido a doença da Beatriz. Pois bem, a edição 1.1 foi na Rota Vicentina, mais propriamente num percurso circular complementar ao Caminho dos Pescadores, apenas realizável a pé.

A Rota Vicentina, mais propriamente o seu Caminho Histórico, é uma Grande Rota, parte da GR11/E9 que foi em 2016 distinguida com a Certificação Europeia “Leading Quality Trails – Best of Europe”, da responsabilidade de ERA (European Ramblers Association), integrando assim o lote exclusivo dos melhores destinos de caminhada na Europa. Inclui um total de 12 etapas e 230 km.

Pois então na edição 1.2 regressámos a esta fantástica Rota, mas agora para fazer duas etapas do mencionado e galardoado Caminho Histórico, esse realizável de bicicleta.

O plano era então fazer estas duas etapas de bicicleta no formato Bikepacking.

Neste formato, transporta-se nas nossas bicicletas e mochilas, tudo que se considerar necessário para o percurso a fazer. É um formato a carecer de planeamento e abordagem minimalista, já que toda a grama nos sairá do corpo :-)

Para as duas etapas pretendidas, fomos em autonomia com dois dias de plano, logo, uma dormida no campo (Na verdade um dos verdadeiros pretextos para tudo isto :-)). Mas isto é apenas a parte menos importante do plano, resumindo-se a determinar apenas dois pontos, o de partida e o de chegada. O importante do plano foi mais uma vez expor o Gonçalo a mais uma experiência, à natureza, primeiro objetivo educativo do nosso projeto 12/12, mas também aprender com esta primeira experiência de Bikepacking como forma de nos lançar-mos em mais aventuras neste formato.

Para esta primeira experiência de Bikapacking era objetivo não adquirir equipamento novo, a não ser se absoluta e incontornavelmente necessário. A única coisa que tivemos que adquirir foi mesmo um simples e barato porta-bagagens de espigão de selim, cujo limite de carga de 10 kg dá e sobra.

Assim, o Gonçalo levou a sua BTWIN 500 e uma mochila de 15 litros onde levava 2 litros de água numa bolsa de hidratação, um corta-vento e um penas muito ligeiro, mais um bidon de 600 ml de água no quadro da bicicleta.

Eu levava a minha velinha BH Top Line de 1995, uma tenda ultra-light de 2 pessoas, dois colchões insufláveis e materiais de cozinha num saco estanque de 30 litros que temos para a canoagem, assim como a comida distribuída em dois sacos-estanque de 5 litros cada que temos para o mesmo fim. Isto foi transportado no porta-bagagens, a tal única peça que adquirimos para este percurso. Nas costas, os nossos sacos-cama, penas e corta-vento, na frente os snacks, os cadeados e 600 ml de água, no quadro as ferramentas e spair das bicicletas, dinheiro e documentos e mais dois bidons de 600 ml cada com água. A opção de levar sacos-cama de 0ºC foi a acertada, não só porque em penas são muito compressíveis e leves, mas porque como previsto a temperatura desceu imenso à noite. Deste modo, não necessitamos de roupa para dormir.

Temos ainda que referir que as camisas técnicas que levámos foram gentilmente oferecidas pela D.ª Irene, mãe da minha eis colega de trabalho e amiga Su, pessoas a quem mandamos desde já um enorme beijinho, e que dizem respeito à IX Rota da Cabicanca, Aguiar da Beira :-) Obrigado!

Pois bem, por volta das 11h00 estávamos equipados e prontos para iniciar a primeira etapa, aquela que liga Santiago do Cacém a Vale Seco, cerca de 17,5 km. Nesta aventura as raparigas foram o apoio logístico, tendo trocado as subidas e a terra pelo conforto e luxo do Zmar :-).

A primeira etapa é bem mais difícil que a segunda e ainda bem, pois para fazê-la é melhor estarmos descansados. O problema é o desafio que constitui do ponto de vista da gestão motivacional de uma criança de 10 anos, habituada a andar de bicicleta é certo, mas que nunca tinha feito tanta distância, tanto tempo e muito menos aquele desnível neste contexto técnico. É verdade que o percurso não é um prémio de montanha, mas com 10 anos imagino que deve parecer avassalador :-).

Deste modo, nesta primeira etapa foi vital manter o Gonçalo animado e com ele mostrar as também minhas fragilidades. Primeira aprendizagem comum, com este peso e neste piso, andar na mudança 6 e 7 ia ser mais comum do que antecipámos.

A importância disto ficou bem patente logo nas primeira subidas, a maioria feitas a pé pelo Gonçalo, que remédio!

Mas íamos andando, sem pressa para chegar, afinal estávamos em autonomia e tínhamos tudo do que necessitávamos. Eu ia repetido isso vezes sem conta, para que o objetivo do Gonçalo não se resumisse ao destino, à ligação de dois pontos, e que a frustração normal de não cumprir o planeado em termos de trajeto fosse substituída pela possibilidade de não acalçar o objetivo planeado para a etapa e montar campo num local que considerássemos bonito e inesquecível, independentemente do ponto do trajeto.

Ainda bem que geri isto assim, pois as menos de 2 horas que em Trail Running eu tinha feito antes naquele mesmo percurso, transformaram-se em mais de 4 horas de bicicleta, debaixo de mais de 30º C de temperatura.

Apesar do calor e da seca extrema que toda a paisagem evidencia, há água! E alguma dessa água teve que ser ultrapassada a vau :-)

Claro está que isso incluiu pé no charco, mas isso faz parte da animação, sejamos positivos :-)

Mas lá chegámos a Vale Seco, que como o nome deixa adivinhar parece um deserto, quer em termos paisagísticos quer em presença humana. Mas tem um café/mercearia, e isso valeu por todo o esforço!

Isto lembra-nos como são os pequenos detalhes e prazeres que importam. Uma guloseima, um sumo, queijo e pão para mim, 30 minutos de Notting Hill na TV :-) e arrancámos para a segunda etapa.

A segunda etapa liga Vale Seco ao Cercal do Alentejo e são cerca de 23 km. Para esta etapa eu anunciei ao Gonçalo que já não era objetivo pernoitar na Barragem de Campilhas que está a cerca de 8 km do destino, dado o adiantado da hora e o desejo de montar campo ainda de dia. Mais uma vez lembrei que não estávamos pressionados, pelo que assim que visse-mos um local especial, ficávamos.

Mas esta etapa é incomparavelmente mais fácil que a primeira, e rola-se muito mais e muito mais depressa, pelo que os Km começaram a acumular-se rapidamente e a moral do Gonçalo crescia de forma diretamente proporcional.

Deixo-vos aqui uma seleção de imagens deste segmento do percurso:

Os episódios interessantes e caricatos no percurso também contribuíram para aligeirar o cansaço acumulado. Desde um trator que fez esvoaçar um bando de pombos e um deles atingiu o Gonçalo na sua bicicleta, a ter que passar uma vacaria onde estava uma vaca fora do cercado e a cerca de 1,5 m da nossa passagem, passando por um local onde no meio do nada existia um lance de escadas em alvenaria pintada de branco, debaixo de um chaparro, com duas cadeiras?????

Não esquecendo quando tivemos que abrir um portão que dava acesso a uma propriedade cercada com cerca eletrificada. Que tinha uma placa branca que dizia “Fechar a porta, animais dentro da vedação, obrigado pela compreensão” :-)

Por fim até tivemos um encontro do terceiro grau com três porquinhos solitários que vieram não sabemos de onde, e menos sabemos para onde se dirigiam :-) confesso que os segundos iniciais foram dedicados a pensar se seriam porcos ou javalis, e na possibilidade segunda, onde andaria a mãe :-) claro que com este aspeto não eram javalis!

Conclusão: fizemos 14 km em 1,5 horas e chegámos bem de dia à Barragem e ali montámos campo. E ainda bem, o local é incrível e o entardecer foi de cortar a respiração. A paisagem e as imagens que ficarão para sempre nas nossas memórias, acompanhadas de um silêncio retemperador, eram inexcedíveis, como vos deixo na sequência seguinte!

O entardecer apenas foi comparável com o amanhecer do dia seguinte

A Barragem está bem seca com o nível das suas águas uma dezena de metros abaixo do que o recorte da paisagem evidencia, seca bem patente nas suas margens

O meu rapaz tinha feito mais de 30 Km naquele dia e estava animado, que orgulho! :-)

Às 20h30 estávamos de barriga cheia e estafados, pelo que fomos para a cama :-)

Etapa 2.2, da Barragem de Campilhas ao Cercal do Alentejo. Deixámos a Barragem para trás

e faltavam-nos apenas 8 Km, mas com as maiores subidas e as maiores descidas. Valeram as descidas a fazer as delícias de uma criança de 10 anos que acelerava por ali abaixo a ponto de me ser difícil acompanha-lo sem recear partir alguma coisa lá atrás no porta-bagagens :-)

Por fim, antes das 12h00 chegámos ao nosso destino planeado para esta edição 1.2 do nosso querido projeto 12/12, o Cercal do Alentejo.

onde tivemos tempo para digerir e consolidar o que tínhamos acabado de viver, isto acompanhado com uma pizza e pão de rala!

Se dúvidas houvessem na cabeça do meu filho, esta experiência enfatizou que o que interessa é o caminho e o que nele vivemos e dele retiramos, e que a chegada é apenas um ponto que não deve significar o fim, mas o reinício! Pois é isso mesmo que para nós o Cercal do Alentejo significa, o reinício da Rota Vicentina, Caminho Histórico, em formato Bikepacking, porque queremos chegar a Sagres, quando? Quando conseguirmos!

Até à próxima edição!


bottom of page